Para entendermos melhor a grandiosidade da redenção realizada por Cristo, precisamos compreender a extensão do estrago feito pela Queda/Ruptura. O pecado não apenas atingiu o ser humano, seu protagonista, como também o cenário no qual estava inserido. E isso por causa de profunda ligação entre o homem e a terra. Biblicamente, esses dois termos são muitas vezes intercambiáveis (por exemplo: Sl.96:13; Jr.22:29; Os.1:2; Ap.13:3). Quando Deus fala à Terra, está falando aos seus moradores. O homem não é apenas produto do pó da terra, ele é a Terra, que recebendo o sopro da vida, passa a ter consciência de si mesma, e da realidade na qual está inserida.
O pecado humano não poderia ficar impune. Ele traria resultados que afetariam o homem e o seu ambiente.
“Ao homem disse: Porque deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. Ela produzirá também espinhos e abrolhos, e comerás das ervas do campo. Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; pois és pó, e ao pó tornarás”
Gênesis 3:17-19.
Até aquele momento, a Terra era um ecossistema perfeito, um verdadeiro paraíso. Todos os seres vivos estavam em harmonia, e submetiam-se prazerosamente ao homem. Lavrar e guardar a terra era uma atividade extremamente prazerosa e gratificante. Mas agora, o trabalho tornar-se-ia penoso, na medida em que a terra passasse a produzir espinhos e abrolhos. O homem e toda a natureza havia se degenerado.
Nas palavras de Paulo, “a criação ficou sujeita à vaidade, não por sua vontade, mas por causa daquele que a sujeitou” (Rm.8:20).
Os espinhos representam a reação da natureza à vaidade humana. Ela que antes estava sujeita ao homem em plena comunhão com seu Criador, agora teria que se sujeitar a um homem rebelde e vaidoso.
Por mais que o homem busque construir um ambiente mais acolhedor, tentando de algum modo reproduzir artificialmente o paraíso perdido, os espinhos o acompanham. Isaías profetiza: “Nos seus palácios crescerão espinhos, urtigas e cardos nas suas fortalezas. Ela será uma habitação de chacais, e lar para as corujas” (Is.34:13).
Não há como fugir, os espinhos estão por toda parte, como lembrança de que nossa natureza está igualmente degenerada, à exemplo da natureza à nossa volta.
Na verdade, os espinhos servem a um propósito benéfico. Eles nos esvaziam quando estamos inflados por nossa própria vaidade. Que o diga Paulo, que para que não se exaltasse pela excelência das revelações que recebera de Deus, recebeu de bônus um espinho na carne.
De fato, o mundo não é mais um lugar seguro pra se viver. E não se trata de um fenômeno novo. Desde a Ruptura, o mundo deixou de ser um lugar seguro para a raça humana.
Não só a terra passou a produzir espinhos, mas o próprio coração humano passou a ser um terreno inóspito para o Espírito de Deus e para a Sua Palavra.
Na parábola do Semeador, Jesus diz que uma parte das sementes “caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e a sufocaram (...) O que foi semeado entre espinhos é o que ouve a palavra, mas os cuidados deste mundo, e a sedução das riquezas, sufocam a palavra, e fica infrutífera” (Mt.13:7,22).
O homem natural não consegue entender as coisas espirituais, pois lhe parecem loucura, já dizia Paulo. Seu coração está tomado de espinhos, devido à sua natureza degenerada. Jesus identifica esses espinhos com “os cuidados deste mundo”, e com “a sedução das riquezas”. Quando ele começa a achar que está conseguindo preencher o vazio de sua alma, esses mesmos espinhos lhe causam perfurações tão agudas, que acabam por ocasionar em um vazio ainda maior.
O que esperar de uma raça caída, com a alma tomada por espinhos?
Miquéias, em um momento de desespero, deixa escapar um grito:
“Ai de mim! Estou feito como quando são colhidas as frutas do verão, como os rabiscos da vindima; não há cacho de uvas para comer, nem figos temporãos para que a minha alma deseja. Pereceu da terra o homem piedoso, e não há entre os homens um que seja reto. Todos armam ciladas para sangue; cada um caça a seu irmão com uma rede. As suas mãos fazem diligentemente o mal; o príncipe exige condenação, o juiz aceita suborno, e o grande fala da corrupção da sua alma, e assim todos eles são perturbadores. O melhor deles é como um espinho, o mais reto é pior do que uma sebe de espinhos. Veio o dia dos teus vigias, veio o dia da tua visitação. Agora é o tempo da sua confusão. Não creiais no amigo; não confieis no companheiro. Daquela que repousa no teu seio guarda as portas da tua boca. Pois o filho despreza o pai, a filha se levanta contra sua mãe, a nora contra sua sogra; os inimigos do homem são os da sua própria casa”. Miquéias 7:1-6.
Sentimo-nos envergonhados, e igualmente desesperados quando constatamos a grave situação em que se encontra a humanidade. Corrupção, impunidade, terrorismo, intrigas, são apenas alguns dos espinhos produzidos no terreno inóspito do coração humano sem Deus. Mas o que dizer da Igreja, a nova humanidade recriada em Cristo. O que se deve esperar dela?
“A terra que embebe a chuva que muitas vezes cai sobre ela, e produz erva proveitosa para aqueles por quem é lavrada, recebe a bênção da parte de Deus. Mas se produz espinhos e abrolhos, é rejeitada, e perto está da maldição. O seu fim é ser queimada. Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores e pertencentes à salvação, ainda que assim falamos”.
Hebreus 6:7-9.
Esta é a promessa de Deus para com o Israel da Nova Aliança: “A casa de Israel nunca mais terá espinho que a pique, nem abrolho que lhe cause dor, entre os que se acham ao redor deles e que os desprezam. Então saberão que eu sou o Senhor Deus” (Ez.28:24).
Somos o povo regenerado por Deus. Somos a nova Criação. Somos a nova Terra. E o prenúncio de que em breve, tudo à nossa volta será igualmente regenerado. O preço pago por Cristo na Cruz, não apenas liquidou nossa fatura, mas também desfez a maldição que pesava sobre a natureza. A coroa de espinhos que Ele trazia em Sua cabeça apontava para a redenção de toda a criação (Mc.15:16-17). A Cabeça da nova humanidade, Cristo, foi perfurada pelos espinhos da nossa vaidade. Antes que os espinhos brotem na terra, eles brotam na cabeça, na mente, na consciência humana cauterizada pelo pecado. Por isso, Cristo teve Sua cabeça coroada de espinhos. Lá na cruz, Deus feito homem, arcou com as conseqüências da Queda.
Uma vez que Cristo tenha pagado o preço da redenção da criação, resta-nos trabalhar para que a humanidade se alie ao resto da criação, deixando de ser predadora e destruidora, para ser sua cultivadora e guardiã.
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